segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Uma complexa construção democrática


Uma complexa construção democrática
Sergio Kapustan - 3/1/2010 - 20h42


Monalisa Lins/ e-SIM
Paulo Paim, do Conselho Político e Social da ACSP, analisa o nosso sistema democrático.A diretriz do liberalismo e da democracia não deslanchou no Brasil. Na avaliação de Antonio Paim, 82 anos, integrante do Conselho Político e Social (Cops), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), os liberais perderam espaços na política brasileira, ao não olhar com atenção a importância da representação partidária na vida política do País, o que significa ter partidos com lideranças fortes e programas bem definidos. A democracia, segundo ele, é uma construção complexa, e os partidos são o "calcanhar de Aquiles". "A elite perdeu de vista a complexidade do governo representativo", comenta Paim.

Antonio Paim é um dos maiores especialistas em política no Brasil. Entre os livros publicados, destacam-se "A querela do estatismo", "Evolução do pensamento político brasileiro" (em parceria com Vicente Barreto) e "História do Liberalismo Brasileiro". Nessa obra, Paim explica as dificuldades e contribuições da doutrina liberal na política em diversos períodos. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Diário do Comércio, em que o autor analisa o quadro partidário e a sucessão presidencial de 2010.

DC – Onde estão hoje os liberais na política brasileira?

Antonio Paim – Há uma tradição liberal sedimentada que começou no Império. O problema é que ela deveria ter correspondência nas instituições políticas. Aparece aí o problema da elite brasileira. Não se trata de afirmar que o povo é melhor que a elite. E que a elite, no período republicano, perdeu de vista a complexidade do governo representativo. Em 200 países no mundo, por exemplo, 60 podem ser considerados democráticos. E na América Latina a experiência nos mostrou que a democracia não é fácil. Houve períodos de fluxo e refluxo. Depois do fim dos governos militares, houve um período de ascensão da democracia e, agora, tudo indica que estamos diante de um refluxo. Isso decorre, sobretudo, porque parte da elite – que fez a abertura política no Brasil – não entendeu que não pode haver democracia sem partido político. Esse é o calcanhar de Aquiles. A elite alimenta a ilusão de que é possível criar democracia sem partido. Portanto, não é uma questão de que o liberalismo desapareceu, é que a resultante da influência liberal é o governo representativo, uma construção muito difícil.

DC - O DEM, de perfil liberal e modernizador, vive um processo de desgaste em razão das denúncias contra o governador José Roberto Arruda (DF).

Paim – A questão do mensalão corresponde a problema mal resolvido. Dada a pulverização partidária, os presidentes da República têm preferido ou têm sido instados a negociar no varejo. Essa negociação acaba distanciando-se de princípios. Teoricamente, o partido político deve atuar com base num núcleo programático que o diferencie – liberal, socialista e social-democrata – e, desde que não signifique violá-lo, empreender as alianças que lhe permitam governar. Não tenho nada contra negociações e concessões. Esse imperativo da política, contudo, nada tem a ver com institucionalização da corrupção como forma de governo, cujo braço legislativo corresponde ao denominado mensalão. Do fato de o governador Arruda ter recorrido a tal prática, à revelia do DEM, não se pode inferir a existência de qualquer tipo de conivência. Embora, em termos estatutários não se pudesse negar-lhe prazo para defender-se (sob pena de anulação judicial do que fosse decidido), creio que a Direção Nacional deu provas de disposição de efetivar a expulsão.

DC – A representação liberal falhou no Brasil?

Paim – Até o ano passado, havia um consenso no Parlamento de que seria uma medida moralizadora o financiamento público de campanha. Não é a salvação da pátria, mas é importante. Para fazer valer o financiamento, deveria haver uma lista pré-ordenada de candidatos. Tenho impressão de que em 2010 essa questão será suscitada.

DC – Os partidos passam uma imagem de forças sem base?

Paim – Há no Brasil uma falta de correspondência entre as correntes de opinião pública e os partidos. O partido deveria se aproximar dos eleitores. Há uma grande variação de interesses no Brasil. Caberia ao partido reunir esses interesses e escolher um elemento aglutinador. Desse ponto de vista, há duas questões centrais em relação ao Estado brasileiro. Ou você é socialista, corrente que acha que o Estado é um bom distribuidor de renda, ou liberal, que aposta no governo representativo. Há uma dificuldade grave: até a Revolução de 30 o sistema brasileiro era distrital. Adotou-se depois o sistema proporcional de forma incorreta. O eleitor vota numa lista e a distribuição de cadeiras deveria ser proporcional. Mas aqui se vota no candidato e a distribuição das cadeiras é proporcional à votação das legendas. Resultado: o eleitor vota em fulano e não pode cobrá-lo. Como pode haver uma instituição sem o parlamentar prestar contas?

DC – É correto afirmar que o Brasil é uma democracia sem partidos representativos?

Paim – De modo geral, afirma-se que o Brasil é uma democracia consolidada. Não é. Nós temos algumas características do sistema democrático. Exemplo: não obstante uma ou outra violação da liberdade de imprensa – como a escandalosa censura ao jornal O Estado de S. Paulo –, ela vigora no País. A democracia se caracteriza pelo funcionamento normal das instituições. Apesar de proibido por lei, o presidente da República faz campanha eleitoral abertamente e não acontece nada. Nosso sistema democrático é meio esquisito.

DC – PSDB e PT, partidos de elites e de perfil reformador, governam o País desde 1995 e ambos fracassaram no campo da reforma política...

Paim – Nenhum País promove mudanças abruptas. Há um processo de amadurecimento com mudanças e avaliações. No governo FHC, formou-se um bloco PSDB-PFL que se aproximou de setores da opinião pública e defendia um tipo de Estado – menos onipotente, como era a tradição brasileira. Há também uma corrente socialista que, no início do século passado, elaborou um Código do Trabalho com o objetivo de aproximar a reivindicação operária do caminho parlamentar e não revolucionário. Com a Revolução de 30, o processo foi tumultuado e as correntes autoritárias – que estavam escondidas – se apropriaram das bandeiras socialistas. Uma delas é a atividade sindical, que foi deformada, como no caso da cobrança de imposto para garantir a sobrevivência dos sindicatos. Já o PT teve as condições para se transformar numa grande força socialista e democrática. Surgiu como partido e como uma elite sindical promissora e de perfil revolucionário e pouco democrático. Ao abandonar a bandeira revolucionária, entretanto, ultrapassou a barreira do som. Houve uma tolerância com a corrupção jamais vista no Brasil. Em 2010, durante o processo eleitoral, vamos ter a oportunidade de discutir esses temas. PSDB e DEM podem representar uma aliança que seja moderna e conservadora ao mesmo tempo, apostando no capitalismo, que é o elemento de distribuição de renda.

DC – Lula quer fazer uma eleição plebiscitária, do governo do PT versus PSDB. Ele está correto?

Paim – O plebiscito em torno do prestígio do Lula é uma coisa vaga. Se o presidente transfere ou não os votos para Dilma, isso é uma questão do PT e não do País. O governo faz hoje a pauta do País e o Parlamento e os partidos estão na defensiva. O governador José Serra tem razão em afirmar que não é o momento de iniciar a campanha. O Brasil está interessado em saber que no próximo ano se discutirão as propostas de governo diferenciadas e que gerem uma opinião nacional. De modo geral, o governo Lula deu continuidade à política econômica do governo FHC e acrescentou outras políticas. A diferenciação em 2010 será apostar no assistencialismo ou numa política social que signifique recuperar a dívida social, retirando essas pessoas da situação de dependência.

D.C. de 3 de janeiro 2010

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